sábado, 6 de dezembro de 2008

Operando com a TA

Vigostsky e Leont´ev, investigadores russos, foram os percursores da T.A.
Vigostsky introduziu a teoria sócio-cultural do desenvolvimento humano. O individual deixou de ser compreensível sem o seu significado cultural e a sociedade deixou de ser entendida sem os indivíduos que usavam e produziam os artefactos. O objecto tornou-se uma identidade cultural e a acção do indivíduo sobre aquele, a chave para compreender a mente humana.
Leont´ev explicou a diferença crucial entre uma acção individual e uma actividade colectiva. A interacção entre o sujeito actuante e o mundo realiza-se de forma intencional e a acção é potenciadora do desenvolvimento histórico-social e do ser humano. A necessidade é que conduz o sujeito à actividade e a realização dialógica entre o sujeito e o objecto leva à satisfação da necessidade.
Michael Cole apontou a falta de sensibilidade desta 2ª geração relativamente à diversidade cultural. As questões relacionadas com a diversidade e o diálogo entre diferentes tradições ou perspectivas devem ser tidas em conta no processo de aprendizagem.
Com Engeström, surgiu o conceito de CHAT (Cultural- Historical Activity Theory). A ênfase é dada à aprendizagem em grupo, motivada pela necessidade de desenvolvimento nas práticas humanas e o conhecimento é encarado como dinâmico. Da sua teoria realçam-se 5 princípios.
É com base na teoria da actividade de Engeström, nos seus 5 princípios e 4 questões, que apresento um cenário de aprendizagem misto que partiu de um mito que era necessário desmistificar. Segundo Barthes (1972), citado por Engestrom (1), “Myths does not deny things, on the contrary, its function is to talk about them: simply it purifies them, it makes them innocent, it gives them a natural and eternal justification, it gives them a clarity which is not that of an explanation but that of a statement of fact”.
A linguagem do mito permite organizar um mundo sem contradições porque as afasta. Segundo Leont´ev (78) o mito opõe-se a artefacto visto que este é o motivo da actividade, possibilita acções e projectos inacabados. Assim sendo, é preciso desfazer o mito para realizar projectos.
A passagem do mito para o artefacto e a acção requer ACÇÕES EXPANSIVAS. Com as acções expansivas questionam-se as definições míticas da actividade e REDEFINE-SE o artefacto.
Normalmente, nas práticas pedagógicas mais tradicionalistas, dá-se ênfase à dimensão cognitiva. O principal objectivo da aprendizagem é o conhecimento de conceitos. O professor é uma figura que detém o saber. Os alunos aprendem e sabem quais as atitudes esperadas pelo docente a fim de obterem sucesso. Este processo tem a ver com um visão a curto-prazo da aprendizagem.
Segundo a dimensão sócio-motivacional, a aprendizagem é focada nos princípios das tarefas; aceitam-se diferentes soluções para as tarefas ou problemas colocados. A partilha com o exterior é fundamental. O aluno detém um papel activo na sua aprendizagem.
Esta dimensão é fundamental para a HCI, “By using the term human actors emphasis is placed on the person as an autonomous agent that has the capacity to regulate and coordinate his or her behavior, rather than being simply a passive element in a human-machine system” (Bannon, 91, in Kuuti, 95, p. 19), pelo que a cooperação, a comunicação, a coordenação são vitais para o sucesso da aprendizagem.

“We habitually tend to depict learning and development as vertical processes, aimed at elevating humans upwards, to higher levels of competence”
Engeström, (1) p. 153

Cenário de aprendizagem : escola Ensino Básico (2º e 3º Ciclos), provisória há 26 anos, numa zona suburbana desfavorecida, com habitações sociais e alguns prédios habitados por famílias da classe média/média baixa.
No estabelecimento de ensino em causa, que tem vindo a receber alunos ciganos e outros provindos dos países do Leste e dos PALOP, leccionam cerca de 60 docentes.

Contexto : A acção passa-se numa turma do 9º ano, bastante heterogénea em termos de resultados nas fichas de avaliação, na disciplina de Língua Portuguesa. Os alunos têm aulas numa sala em que é possível instalar até 10 portáteis e, excepto dois alunos, todos têm computador com ligação à Internet em casa. O Messenger, os chats, os mails são regularmente utilizados por essa turma, fora da sala de aula.
Na aula e fora dela, há regras bem definidas que constam no Regulamento Interno da Escola.
A divisão das tarefas “division of labour” assenta numa estrutura rígida, em que o professor, detentor do saber, ensina a matéria usando a linguagem verbal e gestual e em que o aluno tira apontamentos, resolve fichas e estuda para os testes.
“The relationship between subject and object is mediated by “tools”, the relationship between subject and community is mediated by “rules” and the relationship between object and community is mediated by the “division of labour” “ (Kuuti, 1995, p. 25)

Ambiente :. Há alunos muito motivados, que participam regularmente nas aulas e alunos muito apáticos que dizem ter “dificuldades na disciplina”. Não se registam problemas de comportamento.

Problema identificado pelo docente da disciplina

os alunos têm dificuldades na expressão das ideias por escrito e será difícil combater essas dificuldades visto que têm falta de bases (mito), o que impede o desenvolvimento de actividades que requerem um domínio satisfatório da Língua Portuguesa (mito).
Falta de envolvimento dos Encarregados de Educação na aprendizagem dos educandos e desresponsabilização da família.

Objectivo : aplicação das TIC para alterar as práticas pedagógicas e desmistificar o mito. Redefinição dos alunos como seres capazes de terem diferentes pontos de vista, intervenção dos E.E. no processo e troca de impressões entre os vários intervenientes. Valorização da visão da aprendizagem a longo-prazo com função maturativa.

Estratégias/Actividades:

1-Onde e quem são os sujeitos da aprendizagem

1-Dada a multivocidade da unidade de análise, é necessário ouvir os alunos e saber quais as suas propostas para ultrapassarem as dificuldades-acção expansiva.
2-Várias propostas criam contradições no seio do sistema que é necessário resolver.
3-A docente sugere aos alunos a realização de actividades on-line (fórum) sobre um tema de cultura geral do seu interesse. O tema poderá ser escolhido entre os que são propostos no Concurso Entre Palavras do J.N (em que os discentes vão participar).
4-Surgimento de propostas dos discentes e novas contradições: uns acham que devem tratar só dos temas para o concurso, outros de temas de interesse geral, outros ainda de ambos.
5-A docente escreve no quadro as propostas dos alunos e sugere a mais votada, realçando os aspectos positivos da mesma-aparecimento de novas vozes e contradições.
6-Audição dos alunos que defendem o tema mais votado.
7-Auscultação dos restantes alunos.
8-Consenso: formação de 5 grupos de 5 elementos escolhidos pelos alunos para promover o trabalho colaborativo.
9-Discussão em torno da metodologia a adoptar para formação dos grupos-multivocidade.
10-Chegada a um consenso.
11-O tema seleccionado pelo grupo nº 1, mesmo que não seja do agrado de todos, será o primeiro a constar no fórum.
Todos os grupos terão oportunidade de abrir um fórum com um tema escolhido, desde que incluídos nos supra-citados.
12-Dada a complexidade do objecto em análise, torna-se fundamental a definição das tarefas e das regras .

2-Porque aprendem

1-Torna-se necessário perceber o porquê dessas necessidades neste contexto específico (historicidade)
2-Os alunos precisam de aprender para transitarem de ano e melhorarem o aproveitamento global.
Também precisam de colaborar, comunicar e entrar em contacto uns com os outros, a fim de desenvolverem a expressão escrita, tendo por base um plano a longo prazo apoiado nos processos da aprendizagem.
4- Os pais desejam que os alunos ultrapassem as dificuldades.
5-A docente preocupa-se com os alunos e reconhece que os métodos em que o aluno é passivo não resultam.
6-Contradição entre o que os alunos necessitam (melhorar a expressão escrita) e a forma como a aprendizagem desta estava a ser instituída.

3-O que aprendem

1-Marcação de uma reunião com os E.E., para os informar da actividade e dos objectivos da mesma. Os alunos participação na reunião.
2-Negociação e instauração das regras das tarefas. Apresentação dos grupos de trabalho. É solicitada a participação, embora voluntária, dos E.E no fórum.
3-A abertura do fórum –new pattern of activity- não deverá ser feita só pelo docente mas implicará uma mudança dos papéis dos alunos, que se tornarão responsáveis pelas suas escolhas que deverão ser apresentadas aos E.E.
4-Divisão do trabalho:
-Escolha da ordem de intervenção de cada grupo no fórum, por sorteio.
-Após discussão e contradições, concluiu-se que cada grupo de alunos abrirá, a começar pelo grupo nº 1, semanalmente, um novo tema de cultura geral ou do Concurso Entre Palavras.
-Semana 1:
-Até 6ª feira, o grupo 1 deverá informar o docente do tema a inserir no fórum e cada aluno do grupo deverá informar o Encarregado de Educação do tema escolhido.
-Os encarregados de educação dos alunos do grupo 1 podem negociar entre eles, antecipadamente, via telefone ou mail, que tipo de intervenção vão fazer no fórum, na semana seguinte.
-O docente continuará a ser o coordenador, mas haverá uma divisão das tarefas e das responsabilidades.

-Semana 2 :
-Abertura de um fórum semanal na aula de 6ª feira.
-Os alunos do grupo 1 podem negociar, antecipadamente, via telefone ou mail a sua intervenção.
-Durante o fim-de-semana: intervenção do grupo 1 e do professor no fórum.
- 2ª feira: leitura da participação do grupo 1 e do docente.

-Ao longo da semana: intervenção dos outros grupos de alunos (trabalho colaborativo), após, se necessário, uma pesquisa sobre o tema proposto pelo grupo nº 1. Os alunos deverão ter em conta a linguagem utilizada e a estruturação do discurso.
Participação dos Encarregados de Educação
-Em casa ou no CRE: leitura, pelos alunos, das intervenções de todos os grupos e elaboração, por cada grupo, de uma breve opinião, no fórum, sobre a expressão escrita de um dos outros grupos.
-Pela leitura dos textos de outros colegas, do professor e dos encarregados de educação, haverá uma apropriação do discurso de quem participa, colaboração entre adolescentes e adultos e abertura a diferentes perspectivas.
-Continuação deste tipo de tarefas durante 4 semanas para promover a abertura de um fórum por todos os grupos.

Feedback dos trabalhos efectuados : o docente elaborará uma crítica aos trabalhos (avaliação qualitativa) de cada grupo, tendo em conta a expressão escrita, a clareza das ideias, o pensamento crítico…e fará um diagnóstico da situação no fórum.

As contradições iniciais foram resolvidas pela criação de um novo instrumento que, partilhado entre alunos e E.E (interconectividade dos sistemas) expande o objecto do seu trabalho, abrindo uma dimensão horizontal, sócio-espacial das interrações, tornando as diversas partes responsáveis pela coordenação dos trabalhos.
O novo instrumento é suposto ser o ponto de partida de um novo trabalho colaborativo em que ninguém tem uma posição dominante e em que todos são responsáveis.
O modelo implica uma expansão do objecto da actividade para todas as partes: de um trabalho individual para um projecto a longo-prazo (expansão temporal). A partilha de opiniões entre o docente, os alunos e os E.E contribuirão para um trabalho conjunto (expansão sócio-espacial).
Nesta fase, continuará a existir a co-existência de antigos e novos conceitos (historicidade).
O objecto expandir-se-à : a responsabilidade da correcção e das advertências sobre a expressão escrita também passará pelos alunos e não só pelo professor (Expansive Cycles).
O modelo básico foi expandido para incluir pelo menos dois sistemas abertos de interactividade.

4-Como aprendem
-Após um período de tempo da aplicação deste modelo, terá que haver diálogo, uma análise do mesmo, uma reflexão sobre o seu funcionamento ou o que correu mal (Multivocidade) e se necessário fazer um realinhamento das posições e do trabalho: marcação de uma reunião com os E.E. e os alunos. Discussão sobre este método de trabalho e tentativa de resolução de novas contradições que possam surgir.
-A aprendizagem passará pela necessidade de adquirir novos métodos de trabalho em que pais, alunos e docentes colaborarão e terão responsabilidades conjuntas a partir da definição de objectivos e tarefas específicas.
-Passou-se de um processo de actividades orientadas para um processo de problemas e produção de conhecimento e de uma escola fechada sobre si-própria para uma escola em que se aprende com a partilha fora dos seus muros.
“The object of expansive learning activity is the entire activity system in which the learners are engaged. Expansive learning activity produces culturally new patterns of activity. Expansive leaning at work produces new forms of work activity.”
Engeström, (1) p. 13

É obvio que a actividade proposta deve partir do diagnóstico de um problema contextualizado. Por outro lado, todos os alunos, ou pelo menos a maior parte, devem possuir um computador com ligação à Internet e sentir-se motivados com a tarefa.
É necessária alguma disponibilidade para que o docente da disciplina e os Encarregados de Educação se reúnam (importância do contexto). Só nessa situação é que podem surgir possíveis contradições que se resolverão pela criação de novos objectos e pela actividade de todas as partes a fim de promover uma aprendizagem a longo-prazo.

Referências bibliográficas

1) Engestrom, Y. (2001). Expansive learning at work: toward an activity theorical reconceptualizatio n. Journal of Education and Work, Vol. 14, nº 1, pp.134-156

(2) Engestrom, Y., Engestrom, R& Suntio, A. (s/d).From paralysing Myths to Expansive Action: building computer-supported knowledge work into the curriculum from below.

Hardman, J. (s/d). Activity Theory as a potential framework for technology research in an unequal terrain .

Kaptelinin, V. (s/d). Computer-Mediated Activity: Functional Organs in Social and Development Contexts.

Kuuti, K. (1995) Activity theory as a potential framework for human-computer interaction research. In Nardy, B (1995). Context and consciousness: Activity Theory and Human Computer Interaction. Cambridge: MIT Press, pp. 17-44.

Roth, W-M.(04) Activity Theory and Education: An Introduction. In Mind, Culture and Activity, II (1), 1-8.

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