“Oiço e esqueço, vejo e lembro, faço e aprendo”
João Paiva (3)
João Paiva (3)
A partir do nascimento, o ser humano vive em constante processo de aprendizagem. Adapta-se e modifica-se para poder sobreviver no meio em que se insere. Mas como se aprende ? Será que basta memorizarmos conceitos? Será que só aprendemos descobrindo? Ou o processo é bem mais complexo? E qual a função das TIC no processo de aprendizagem ?
Decidi partir das leituras efectuadas, da minha experiência profissional e da utilização e/ou conhecimento de algum software e Recursos Educativos Digitais (RED´s) utilizados na sala de aula (ou fora dela) para construir a minha reflexão.
Se pensarmos bem, muitos dos RED´s que existem no mercado contêm exercícios de pedagogia directiva, em que o aluno, agente passivo, se limita a receber um feedback negativo ou positivo consoante o seu desempenho. A recompensa (pontos, estrelas…) pela sua prestação num determinado exercício funciona como um estímulo que o leva a continuar a tarefa.
Conheço um CD-rom de Língua Portuguesa, enviado por uma editora conceituada, que recorre a drills & practice, a processos mecânicos e repetitivos. As respostas são aprendidas por tentativas, por ensaio e erros (Thorndike) que podem ser repetidos várias vezes até que o aluno receba um feedback positivo ou decida abandonar o exercício. O objectivo deste tipo de tarefas é a memorização de conceitos de Língua Portuguesa pela repetição. A lei do efeito e a do exercício (Thorndike) são bem visíveis nas tarefas propostas. Como refere Fernando Albuquerque [1] , citando Papert, “a maioria dos programas educativos, reforça os aspectos mais pobres da educação pré-computador”.
Mesmo não utilizando RED´s, o docente recorre com frequência à lei do exercício, principalmente quando a memorização de conceitos ou da tabuada é considerada imprescindível. Neste caso, as escalas de reforço de Skinner estão presentes de forma intermitente: só reforçamos o comportamento ou a resposta que queremos ver repetida e até premiamos um aluno em caso de acerto. Com frequência, muito do behaviorismo também serve para estimular a aprendizagem!
Ao relembrar algumas das teorias da aprendizagem, conclui que, no processo de ensino aprendizagem, há um misto das três teorias: comportamentalista, cognitivista e contextualista. Já referi a primeira e apesar das críticas à memorização, parece-nos que esta e a memória são imprescindíveis à aprendizagem, à criatividade. Como esclarece Lobo Antunes (03), sem memória não há imaginação, pois para haver reconstrução tem que haver a recombinação de “ fragmentos do passado”. Nada nasce do nada porque o ser humano não é uma caixa vazia que se vai enchendo de conteúdos desligados uns dos outros. É necessário o processamento de informação, a existência de conhecimentos anteriores para a evolução.
Quanto à segunda, está presente em vários momentos da aprendizagem.
A teoria de que os alunos podem construir os seus próprios saberes é ideal e possivel até determinado ponto porque, para que alguns discentes adquiram conhecimento, o professor, que deixou de ser o mentor, o único detentor do conhecimento, continua a ser fundamental para ajudar a perceber, para explicar, para auxiliar. Diria que algumas descobertas feitas pelos próprios alunos estão na linha do construtivismo, mas é imprescindível a ligação dos novos conhecimentos a conhecimentos anteriores, e sem memória dificilmente será possível essa ligação.
Alguns softwares aplicam ainda as teorias do ensino programado de Holland (1958). Recentemente, tive a oportunidade de avaliar um recurso educativo digital em que o utilizador tanto podia aprender de forma behaviorista como de forma mais construtivista. Os exercícios deviam ser resolvidos segundo uma ordem pré-estabelecida para que a progressão fosse gradual, o aluno verificava de imediato a sua resposta devido aos exercícios de auto-correcção e o ritmo de cada aluno era respeitado visto que não havia limite de tempo para a resolução dos exercícios. O êxito era importante porque haveria um prémio final: um jogo.
Actualmente, dá-se ênfase às teorias contextualistas cuja figura principal foi Vygostky. De facto, o contexto influencia a aprendizagem e, mesmo que esta seja feita com recurso a meios informáticos, o contexto, independentemente do tipo de exercícios, terá um papel importante para o sucesso da aprendizagem. Independentemente da qualidade intrínseca dos software, é necessário ter em conta os contextos de aprendizagem específicos em que é proposta a sua utilização e exploração.
Na sala de aula, os alunos fazem trabalhos de grupo, trocam ideias, partilham interesses, criam materiais, colaboram, intervêm e cooperam. Aprendem fazendo. A relação e a interacção (as práticas sóciais segundo Luria) são peças imprescindíveis quer no processo de aprendizagem quer para o desenvolvimento pleno do discente.
A expressão do que vai na mente, o transformação do não verbal em verbal, a prática discursiva, a semântica, constituem também um processo de aprendizagem.
Pela observação dos colegas e pela sua auto-observação (Gonçalves) constrói-se uma identidade.
Neste prisma, as novas tecnologias são importantes: com os software digitais, os alunos podem colaborar à distância, terem acesso a múltiplas fontes de informação à escala global, comunicarem em tempo real, intervirem em fóruns de discussão, enfim, desempenharem um papel activo e aprenderem interagindo.
Contudo, questiono-me se isso será suficiente para uma aprendizagem de qualidade.
O computador e os instrumentos pedagógicos são classificados como mais ou menos behavioristas ou construtivistas consoante as práticas do professor, ie, o uso que se faz deles.
Uma vez que, segundo dados da OCDE (2005, 2006; Salomon & Globerson, 1987) [2] os alunos têm muitas vezes dificuldades em pensar, em resolver problemas e em aprender, devemos reflectir sobre o uso e o impacto das novas tecnologias para a construção da cognição: se o aluno deve ter um papel activo e consciente, urge pensar que conteúdos são utilizados para a capacidade de reflexão de pensamento crítico. Devemos reflectir sobre as dificuldades da transferência de conhecimentos e qual o papel das TIC nesse processo.
Na minha opinião, o professor deve encontrar um justo equilíbrio entre umas e outras das teorias supra-abordadas. Quer as teorias behavioristas quer as cognitivistas não devem ser rejeitadas, pois ambas são importantes para a construção da aprendizagem e da identidade.
Referências
1-Apresentações em power-point colocadas na plataforma (Aprendizagem operante, aprendizagem social, memória)
2-Costa, A. F. A aprendizagem como critério de avaliação de conteúdos educativos on-line. In Cadernos Sacausef 2, pp. 45-54.
3-Paiva, J. (2007). O fascínio de ser professor. Texto Editores.
[1] Costa, A. F. A aprendizagem como critério de avaliação de conteúdos educativos on-line. In Cadernos Sacausef 2, p.50.
[2] Costa, A. F. A aprendizagem como critério de avaliação de conteúdos educativos on-line. In Cadernos Sacausef 2, p.47.
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