Sob uma óptica crítica (sem deixar de ter algo de tradicional)
Algumas reflexões sobre o PTE
Algumas reflexões sobre o PTE
Fala-se hoje na revolução das TIC. Na vida de todos, parece que o computador se tornou numa realidade incontornável…, por isso debrucei-me na apresentação do PTE e no Projecto de relatório do Conselho (Educação) para o Conselho Europeu. Este, para além de referir que o objectivo fixado em Lisboa é o de tornar a Europa " na economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos, e com maior coesão social ", acrescenta que um dos papéis da Educação é a promoção dos valores humanistas e o desenvolvimento do indivíduo, para que possa realizar todas as suas potencialidades e ter uma vida feliz. Contudo, questiono se o conceito de felicidade passa pela distribuição de computadores e de quadros interactivos em todas as escolas portuguesas! Não podemos esquecer os variadíssimos problemas sociais que os docentes têm que enfrentar diariamente nas escolas. Quando os alunos não tem dinheiro para o lanche, quando em casa existe fome, violência, alcoolismo ou toxicodependência, será que o PTE vai fazer com que aqueles esqueçam as suas dificuldades? A escola não existe sem a sua extensão: as famílias e o ambiente social.
A utilização das TIC numa sala de aula, espaço de referência da aprendizagem, onde no Inverno os alunos não conseguem mexer os dedos devido ao frio excessivo e onde no Verão o suor escorre pelo rosto devido às elevadas temperaturas que se fazem sentir nas salas, eis a dura realidade do meu dia-a-dia. Quando ligo o data-show o calor torna-se mais insuportável. Por mais dinamismo que um docente tente imprimir às aulas, é uma tarefa quase hercúlea manter os discentes atentos e com vontade de trabalhar, pelo que a relação Ensino/TIC continuará desigual de escola para escola enquanto aspectos fundamentais relacionados com o espaço físico continuarão a ter falhas crassas.
No ensino de massas, o fomento da diversidade e da tolerância, o trabalho em equipa e o desenvolvimento da autonomia podem ser incrementados não só pela consulta de sites na Internet mas também pelo diálogo na sala de aula, pela promoção de debates, pela discussão construtiva, pelos projectos escolares. São primordiais momentos de reflexão, opostos ao espírito agitado do fanático computacional, para impelir e cimentar a aprendizagem bem como a construção de conhecimento.
A minha experiência tem-me ensinado que os alunos privilegiam a troca de ideias, de conhecimentos e de opiniões na sala de aula (tão importantes para desenvolverem a expressão oral e construírem o seu pensamento) em detrimento da consulta de sites para a realização de trabalhos! Por vezes, são as questões sociais, a discussão à volta dessas, a interactividade (pois também existe sem computadores!) que estimulam a curiosidade e o interesse dos jovens.
As estratégias pedagógicas devem ser variadas assim como os recursos! O computador, enquanto constituir uma novidade, resultará. Mas até quando e até que ponto? Ainda me lembro do tempo em que os alunos vibravam com uma transparência ou a audição de um CD!
Não podemos, neste contexto, olvidar uma questão crucial: a redução do abandono escolar. Compete-nos questionar se o papel os psicólogos, dos assistentes sociais, dos mediadores de conflitos e dos professores de apoio não será mais premente do que o da introdução das TIC. As crianças não se podem alimentar só de tecnologia, precisam de afecto, de emoções, de quem os oiça não só virtualmente mas presencialmente. O gesto humano, um sorriso, uma palavra podem fazer mais do que centenas de Magalhães!
Por isso, as novas tecnologias desempenham, no processo de Ensino/Aprendizagem, um papel e uma relevância relativos.
O computador, por si só, não promove nem o sucesso nem a autonomia do aluno, tanto mais que um software não é pedagogicamente auto-suficiente.
Como refere Guilhermina Miranda, a propósito das características dos ambientes Logo in Resultados das Investigações sobre os Diferentes Ambientes de Aprendizagem Informatizados, a ideia de que o aluno pode aprender só pela descoberta é contraposta por Littlefield (1992), ao analisar o livro Constructionism, editado por Harel e Papert (1991) quando afirma que a aprendizagem efectiva requer ensino estruturado e mediado pelo professor. Por outro lado, o saber-estar e o saber-ser não são incutidos pelas novas tecnologias! Estas até provocam com frequência uma cisão familiar e uma alienação que a “second-life” torna por vezes incontrolável. O mundo real e o mundo virtual não podem ser confundidos!
O insucesso escolar está também intimamente ligado à expressão escrita e à memória. Não podemos elaborar textos sem sabermos palavras, nem é possível avançarmos para o estádio da criatividade (tão presente nos curricula) sem dominarmos conceitos e se não houver memória. Neste prisma, o professor continua a desempenhar um papel primordial.
Dantes, os alunos frequentavam a biblioteca escolar, consultavam livros, tiravam apontamentos, seleccionavam o mais importante! Agora muitos limitam-se ao simples “copy-paste”! Só o docente, com as suas práticas pedagógicas, pode erradicar esse péssimo hábito e encorajar a distinção entre o acessório e o essencial e promover a compreeensão, a semântica e evitar o low-profile .
Não podemos esquecer que Estados-Membros reconhecem a importância de uma formação adequada dos professores. Talvez esta seja uma das principais falhas do PTE.
É na sólida formação dos professores que se deveriam concentrar muitos dos esforços, se quisermos operadores movidos pela confiança que integrem estas tecnologias nas salas de aula. Com efeito, muitos professores são reticentes na exploração das variadíssimas potencialidades do computador. A formação dos funcionários no âmbito das TiC também não é divulgada.
Em conclusão, o espaço educativo deve promover o equilíbrio. A felicidade não pode ser sinónimo de facilidade!
O PTE pode passar por uma opção organizacional mas é no seio da escola e em particular no espaço da sala de aulas que o docente deve ser capaz de fazer a síntese entre o tradicional e o actual.
O computador pode trazer vantagens pedagógicas, por exemplo no ensino das línguas, na extrapolação das fronteiras, no aumento da cultura geral, no conhecimento do mundo, mas as TIC não são a cura milagrosa dos problemas da educação.
Nem tudo o que é tecnológico é eficiente e perfeito. Se bastassem os computadores, então substituiríamos as aulas presenciais por aulas à distância e os professores poderiam leccionar a partir de casa, evitando situações de indisciplina e de violência! Mas será que incentivar e motivar os alunos no espaço e no tempo escolar não é uma riqueza para a aprendizagem?
A implementação de um meio-termo entre o real e o virtual, entre a era do digital e do suporte papel é imprescindível. Um computador não substitui um professor conselheiro, mas pode ajudar a aumentar o gosto pela aprendizagem !
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