Qualidade dos Artefactos Tecnológicos
“A ideia é que os humanos podem controlar o seu próprio comportamento não ‘a partir de dentro’, com base na compulsão biológica, mas ‘a partir de fora’, usando e criando artefactos. Esta perspectiva não é somente optimista no que concerne à autodeterminação humana. É um convite ao estudo sério dos artefactos como componentes integrais e inseparáveis do funcionamento humano”(Kuutti 1996)
Um artefacto é algo que vai servir para a execução de uma determinada tarefa e /ou para atingir determinados objectivos.
O conceito de qualidade tem a ver com o cumprimento das expectativas que o artefacto produziu no potencial utilizador mas também com as suas características e propriedades intrínsecas e contextuais, ou seja, para que um artefacto tenha qualidade, deve ter algo que o distinga de outro e que cative o utilizador de modo a que seja escolhido tendo em conta o seu contexto de utilização. Se tiver aptidão para atender às necessidades do utilizador, e se a sua utilização for “friendly”, as possibilidades de ser aceite serão claramente maiores.
É necessário que o criador do artefacto tenha em conta, não só o design e o aspecto estético mas também a sua utilidade e utilização. É preciso ter em linha de conta que utilidade e utilização estão intrinsecamente ligadas e são a condição sine qua non da existência do artefacto. Para quê a criação de um artefacto se não tiver condições de ser utilizado e utilizável, se não tiver um determinado potencial que justifique a sua escolha?
Se um artefacto se revelar ineficaz, imperfeito, demasiado complexo ou se não seduzir o utilizador, se não houver um “acto de amor” (EHN, 03), uma empatia, a relação dificilmente será pacífica. Se este não for ao encontro do Homem, das suas expectativas, das suas preocupações e necessidades, se não trouxer nenhum valor acrescentado na vida do utilizador, ou seja, se não atingir um determinado grau de utilidade e perfeição esperado, será abandonado.
No design do artefacto, normalmente da responsabilidade de uma equipa interdisciplinar, é necessário ter em conta, de acordo com Moggridge, a sua utilidade, o ser desejável e ao mesmo tempo acessível a todos (ter usabilidade) . A preocupação base do criador está nos valores humanos, nas pessoas que irão utilizar o artefacto, na estética, em valores subjectivos e qualitativos, e em factores humanos: o designer cria uma solução para dar prazer e satisfação duradoura e, portanto, cria um artefacto apto para o mercado.
A International Oraganization for Standartization estabelece a conformidade com um conjunto de normas para apreciação de qualidade, entendida como “O conjunto de características de uma entidade que influencia a sua capacidade de satisfazer necessidades reais e implícitas (ISO 8042) e estabelece um conjunto de normas:
-Funcionalidade (adequação, precisão, interoperabilidade, segurança)
-Fiabilidade (maturidade, tolerância a falhas, capacidade de regeneração)
-Usabilidade (inteligibilidade, operacionalidade, compreensibilidade)
-Eficiência (comportamento temporal, comportamento de recurso)
-Manutenção (facilidade de análise, facilidade de modificação, estabilidade e testabilidade)
-Portabilidade (adaptabilidade, capacidade de instalação e capacidade de substituição) (ISO/IEC 9126-1, 2001):
Contudo a proliferação de artefactos digitais e a sua cada vez maior omnipresença nos espaços e objectos humanos em convergência com a multiplicação dos media colocam novos desafios a vários níveis: sociais, técnicos e estéticos.
Não podemos esquecer que a qualidade se rege também pelo grau de interactividade e pelo controlo que o homem exerce sobre a máquina. Será o Homem a tomar a última decisão, ou seja, a aceitar ou a rejeitar o artefacto. Assim sendo, na concepção de um artefacto, é necessário atender às expectativas do utilizador de modo a que se crie uma interacção facilitadora e simplificada com o artefacto. É neste sentido que muitas empresas fazem prospecção de mercado e lançam produtos a título experimental.
O maior desafio é talvez o paradoxo da desmassificação apontado por (Brown e Duggit (1994). Desmassificação, quer física - os materiais perdem literalmente corpo passando a poder ser distribuídos globalmente – quer contextual e social, na medida em que a possibilidade de personalizar e fazer cópias individuais implica a perda de sentido de massificação inerente ao conceito de mass media ao implicar a perda de experienciação convergente e colectiva.
São estas novas condições sociais e materiais que actualmente se pressupõe sejam equacionadas no design de interacção, que soma assim à dimensão arquitectural, a de narrativa interactiva. Tal implica a convergência de conhecimentos técnicos e estéticos com o estudo de dinâmicas sociais
Artefactos desenvolvidos linearmente tendo em conta requisitos direccionados a determinadas finalidades previamente enunciadas, perdem terreno face à multiplicidade de ofertas que, criando maior exigência por parte dos utilizadores, lhe retiram a obrigatoriedade de se adaptar automaticamente, permitindo-lhe procurar o que melhor se adapta às suas necessidades específicas.
É neste contexto que se enquadra a aposta crescente no design participativo, orientado contextualmente, no qual a utilização e abordagem pelo utilizador são assumidas pelo designer no desenvolvimento do artefacto. Assiste-se assim à democratização dos processos de desenvolvimento dos artefactos que reconhecem ao utilizador um papel activo através da identificação e reporte de problemas, análise e avaliação de requisitos e design, participação em brainstorming, storyboarding ou workshops, testagem de protótipos etc., numa perspectiva colaborativa que acompanha todo o processo de desenvolvimento de um artefacto,
Estas questões colocam-se, com mais premência ainda, se se tratar de artefactos educativos/instrutivos/formativos. Conhecimento de estruturas cognitivas e modelos de aprendizagem, pressupostos pedagógicos, adequação da linguagem aos níveis etários dos utilizadores, são outros tantos factores a ter em conta pelos designers.
“A qualidade dos recursos não determina a qualidade da aprendizagem mas sustenta-a e contribui para ela. A qualidade do recurso não é inerente ao recurso em si, mas sim às decisões e comportamentos dos professores (ou dos alunos se estão no controlo) no planeamento e preparação da experiência ou actividade de aprendizagem e às decisões e comportamentos dos alunos durante a actividade proposta” (Becta, 2008).
Mais do que em qualquer outro, neste campo o focus da apreciação tem necessariamente que se deslocar do campo do “técnico” para aspectos pedagógicos e curriculares analisados ao longo do tempo, ” já que o que é um propriedade relevante na tecnologia só é entendida em função dos objectivos específicos e recursos activados durante a sua utilização” (Spagnolli, Gamberin, Gasparini, 2002) e se espera “que as TIC transformem, e não apenas complementem, a aprendizagem dos alunos” (Dillon 1985). Ou seja, mais do que análises de tipo descritiva, “factual” dos requisitos de um artefacto importam processos de avaliação/reflexão em contexto em que as dinâmicas geradas pela interacção artefacto-utilizador se assume como parte integrante do processo de design.
Conclusão
Pelo supra-exposto, podemos então concluir que os critérios de qualidade que devem ser aferidos têm a ver não só com as propriedades intrínsecas do artefacto, ie, as suas pretensões, mas também com qualidades extrínsecas: a sua utilidade, grau de interactividade, usabilidade, adequação e relevância. Em suma, um artefacto tem de ter em conta não só uma perspectiva individual mas atender às necessidades colectivas dos indivíduos e de uma comunidade.
Bibliografia
Amorim, Maria Amélia. Como olhar criticamente o software educativo multimédia. In Cadernos Sacausef 1
EHN, Pelle.2003. Participation in Interaction Design –actors and artefacts interaction. International symposium ‘Foundations of Interaction design’.Interaction Design Institute . Ivrea, Italy. November
Spagnolli Anna, Gamberini Luciano, Gasparini Daniele , 2002 Situated Breakdown Analysis for the Evaluation of a Virtual Environment
Moggridge,Bill Moggridge(s/d). A conversation about interaction design.
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